domingo, 8 de agosto de 2010

Qual ticket você comprou!?


É... Esse tom de deboche realmente me auxilia na difícil tarefa de desenhar o meu desdém pela necessidade primária de me ignorarem. Pode não parecer - é claro que não parece, eu faço questão de fingir que isso não existe em mim - mas me dói (em progressão geométrica) o rumo de minhas relações humanas. "Foda-se", palavra vulgar e inerente em meu vocabulário de respostas à postura infame de meus queridíssimos colegas de infância - eles, tão preocupados com a sua pomposa imagem social, não podem (é claro) adicionar em redes sociais pessoas de moral tão deslustre, gente vil, que não sabe se vestir. Por que para essa massa de gente notável e com perfeitas condições morais para julgamento: Reputação manchada é sinônimo de mesquinharia, sinônimo de ingresso para as reclusas cadeiras da exclusão, logo, mesmo que sejam seus amigos de infância, ou pessoas que te viram crescer, se cruzar em alguma esquina de sua pacata cidade por "esse tipo de gente" a conduta correta e mais indicada pelos orgãos de segurança pública é o velho e clássico teatro de "desconheço você" ou ainda uma sagaz e prática encenação da peça "sou uma pessoa distraída", alertamos ainda pelas vastas vantagens desta última, afinal de contas, você não se compromete!
Comprei meu ticket em meio a uma confusão, não sei de que forma cheguei ao balcão de atendimento, só me lembro que depois de dizer meia dúzia de palavras sem nexo vi 8 anos de minha vida me virando as costas. Recebi uma papelada, acho que para apreciar o espetáculo da vida nas cadeiras da exclusão (bem desconfortáveis por sinal) eu precisava assinar as cláusulas de aceitação e de comprometimento com as minhas mais novas e infindáveis algemas. Lá devia dizer, sobre o caminho sem volta, sobre as inconstâncias de comportamento, sobre os novos olhares do mundo sobre mim, sobre o desconforto da cadeira, sobre o eterno vazio interno, talvez tivesse até abas com gostos profissionais e musicais... mas assinei sem ler. Assinei, sem ler. Leitura, só faltou isso... Se a confusão não tivesse me empurrado com tanto entusiasmo rumo a fila, mas talvez nem foi culpa dela, talvez foi culpa da minha enraizada preguiça, tinindo de alegria a ver uma fila pequena em meio a tantas filas extensas, o mais fácil me atraiu... acho que foi isso... Mas depois quando encaramos todo aquele burocrático processo, preferimos pular todas as etapas adequadas e recomendadas, e fomos direto para a assinatura.
A culpa é minha - isso não é nenhum tipo de auto-suplício, tenho dito - quanto comecei a tomar as primeiras censuras, severas, como sempre haveriam de ser, me tranquei em minha masmorra de sonhos e fantasia, onde vivo a nostalgia de anos que não vivi. Os julgo, impossível não os julgar, mas não retribuo com a censura (nem latente, nem pulsante). Apenas suplico, com eternos suspiros de arrependimento pela assinatura sem leitura, que me deixem, por mais singela que seja, participar das memórias de seus passados, não como a "nova-estranha", mas como a velha amiga. E incito, diplomáticamente e com solícitas palavras que abrandem seus olhos sempre que me verem passar, não por achar que seja construtivo a convivência pacífica da minha falta de lucidez com os seus tão requisitados comportamentos de super popularidade, mas por não querer que sujem mais o caminho que sigo, pois me adaptei, e nele só vejo flores. Suas censuras me enojam, e deixam, turvas, as águas de meu rio, que aprendeu, a correr seguindo o fluxo natural da vida.

Um comentário:

Diego Leão disse...

*A construção parece se apoiar numa escrita baseada no seu fluxo de consciência, mas com uma certa ponderação. Dá pra ver isso, até mesmo pela elaboração das orações que você constrói. Vc usa alguns recursos de linguagem como ironia e sarcasmo que produzem uma ideia que lembra alguns trechos uma ideia do realismo do fim do XIX, especialmente no que se refere ao comportamento das pessoas. Também como o texto não é uma narração simples ele produz um efeito meio que de suspensão no tempo, ou seja parece que é um momento que vc pára tudo o que está fazendo para contemplar a tal situação. Vc pára pra pensar o seu próprio lugar de estranhamento no mundo de aparências.
*Vc se sente estranha em relação a tudo, mas ao mesmo tempo parece quer ter o direito de ser como é. De não entrar na dinâmica que eles estão colocando. De não ter que simplesmente pegar seu ticket, entrar no teatro e seguir simplesmente o roteiro. Vc quer intervir. Do seu jeito. Mesmo que isso possa corromper ou desfigurar a peça que eles criaram.
*No meio dos atores, das atuações e das cenas arranjadas vc só quer viver.

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